O espaço do brincar

Começo esta conversa com algumas perguntas: durante a infância, onde aconteciam suas brincadeiras favoritas? Quais eram os seus medos quando criança? Nessa época, como você se deslocava até a escola?
Se você vivenciou a sua infância entre as décadas de 1960 e 1980, provavelmente, a sua resposta para a primeira pergunta será a rua, a praça ou os “campinhos” (os terrenos baldios, facilmente encontrados tempos atrás). Acertei?
Vamos para a segunda pergunta, sobre os seus medos no passado. A resposta para essa questão é muito subjetiva e está intimamente relacionada às suas experiências sociais e afetivas durante a infância. Exemplifico: uma pessoa que sofreu os efeitos agressivos de um pai alcoolista quando criança, provavelmente, dará uma resposta relacionada a essa experiência. Mas, quero conjecturar sobre uma infância salutar. Em condições saudáveis, crianças da minha época (que difícil escrever isso… o tempo passa… rsrs) tinham medo do homem do saco, de seres imaginários que habitavam embaixo das camas, de fantasmas, da carrocinha, de monstros. Os personagens das histórias infantis também nos “aterrorizavam”, o lobo mau e a bruxa são exemplos perfeitos dessa situação!
Já sobre a terceira questão, acredito que você, como eu, se deslocava andando até a escola, com irmãos, primos e/ou vizinhos. Essa pergunta é válida também para outros deslocamentos que fazíamos no dia a dia, como até a padaria, à “vendinha”, ao açougue, ou similares. Tínhamos liberdade de ir e vir, nos apropriávamos das ruas, dos caminhos, pulávamos valetas, brincávamos e imaginávamos mil situações enquanto, tranquilamente, andávamos pelas ruas da cidade!
Agora, peço que mude a situação. Faça essas mesmas três perguntas, direcionando-as ao(s) seu(s) filho(s). Acredito que as respostas ficarão mais fáceis para eu tentar adivinhar. Vamos ver…
Provavelmente, seu(s) filho(s) brinca(m) nas dependências da sua casa/ apartamento, quando muito na área de lazer do condomínio. Acertei? Se você disser NÃO, ficarei muito feliz (espero que eles brinquem no quintal da sua casa, na casa dos avós, na praça ou no parque com outras crianças).
No entanto, a realidade e as estatísticas mostram crianças presas e cada vez mais dependentes da tecnologia.
Dados da Revista Crescer (novembro de 2013) apresentam uma alarmante realidade: 40% dos meninos e meninas de 5 a 8 anos já têm o próprio tablet; 59% das crianças de até 2 anos ficam de 30 minutos até 2 horas usando o smartphone, diariamente; 22% das crianças de 5 a 8 anos já têm perfil nas redes sociais.
Preocupante, não?
Fazendo menção à segunda pergunta, apresento dados de uma pesquisa da PUC-RJ, sobre medos infantis e violências, em diferentes classes sociais. Essa pesquisa foi realizada com crianças entre 9 e 12 anos de idade e demonstrou que, atualmente, elas têm medo da realidade, ou seja, medo da violência, do sequestro, do assalto, do atropelamento, da separação dos pais. Um dos exemplos citados na pesquisa é o de uma criança que respondeu que o seu maior medo era o de ser assaltada e, quando indagada sobre o que fazia ou poderia fazer para acabar com esse medo ela respondeu: “Faço análise!”. Triste, muito triste…
Dando continuidade às perguntas: como seus filhos vão para a escola? De carro? De ônibus? De transporte escolar?
Se eu acertei novamente, isso demonstra como nossas crianças estão privando-se do espaço urbano, da liberdade de ir e vir. A convivência infantil está cada vez mais condenada a acontecer apenas nos limites da escola, que, por sua vez, também sofre os efeitos do crescimento desenfreado e da consequente violência. Resultado: escolas cada vez mais cercadas, vigiadas, controladas, apertadas e cimentadas, e crianças cada vez mais obesas, estressadas e apresentando hiperatividade, déficits e transtornos!
Como seria diferente?!? Nós, adultos, em prol da segurança e proteção infantil tiramos tudo delas: a convivência, o direito de ir e vir e, principalmente, o espaço para brincar e movimentar-se livremente.
O espaço destinado às crianças foi e está sendo substituído por mesas, cadeiras, computadores, tablets, smartphones, televisão, tudo o que cerceia o corpo e limita a imaginação, a criação e a fruição.
Não quero discutir aqui a inserção da tecnologia e os efeitos benéficos (ou não) dela na infância. É comprovado que isso não poder ser extirpado da vida das crianças, afinal elas constituem a geração Touchscreen! Mas, de nada adianta ter o domínio da tecnologia, quando o corpo só se movimenta 50 minutos por semana, de maneira repetida e controlada em aulas programadas de Educação Física, ballet, judô ou outro esporte oferecido nas escolas.
Seu filho precisa de movimentos amplos advindos da criatividade e da necessidade inata de se movimentar, precisa brincar com água, andar descalço na terra, abraçar uma árvore, fazer um piquenique em um parque, conhecer a praça mais próxima da sua casa, mexer com tinta e argila, conhecer as brincadeiras tradicionais da sua infância, como pular elástico, queimada, bets, cantar e dançar cirandas, pular amarelinha, e tantas outras possibilidades.
Sim, eu sei! Você deve estar se perguntando: “Mas, e a violência? E a falta de tempo? E o meu trabalho? E, e, e, e (…)?” Temos sempre muitas justificativas e desculpas.
Mas, as crianças crescem tão rápido… Então, tente, ao menos uma vez na semana, levá-las a um espaço aberto, com verde, simplesmente para brincarem e se sentirem livres e vivas! Se não houver jeito, se a praça estiver ocupada pela drogadição, se estiver chovendo ou se você estiver sem dinheiro, ouso dar-lhe uma dica: afaste o sofá da sala, coloque uma coberta e almofadas no chão e brinque com os seus filhos de dar cambalhotas. É um bom começo!
Será que você ainda consegue? Seu filho sabe o que é uma cambalhota?
Ahhhh, esta é uma lição para você ensinar, não deixe esta também para o Google!
Aos poucos, tente recuperar (e ocupar) o espaço perdido das crianças brincarem na cidade e, muitas vezes, em nossa vida.
Boa brincadeira!

2 comentários em “O espaço do brincar”

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